terça-feira, 20 de abril de 2010

OS CÓDIGOS DA MODERNIDADE PROPOSTOS PELO EDUCADOR BERNARDO TORO E A ESCOLA QUE O BRASIL NECESSITA PARA ENTRAR NO SÉCULO 21

A eficácia nas escolas


Ter freqüentado boas escolas é um privilégio importantíssimo. Os mais velhos sabem como eram poucas e dispersas pelo Brasil, explicando muito do colossal atraso em que nos encontramos em relação a países mais desenvolvidos. Não tivemos guerras mundiais em nosso território, mas a mediocridade e a fleuma aristocrática de nossas elites contribuíram muito para a situação em que nos encontramos.

Devemos agora crescer rápido, mas temos barreiras.

O corporativismo de professores e donos de escolas é uma tremenda barreira ao EAD, Ensino a Distância ( http://eadinteligente.blogspot.com/ ), por exemplo. Só vale quando com recursos ridículos tais como salas virtuais e uma montanha de certificados criados pelas nossas “autoridades” e seus incríveis auxiliares. Assim, por exemplo, o intérprete de LIBRAS torna-se uma raridade, mesmo em cidades tais como Curitiba, onde centenas de pessoas possuem essas habilidades.

Podemos fazer muito, até lembrando o que os norte americanos criaram numa época sem satélites, após a Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de voluntários fretou um avião para servir de retransmissor de aulas para expracinhas, que precisavam se preparar rapidamente para o mercado de trabalho.

Temos ferramentas, e a maior veio de lá, os EUA, a internet.

Nela existe agora espaço para, além dos cursos que o MEC deixar, cursos que facilmente teriam legendas e LIBRAS e outros recursos para as PcD, fazer concursos de redação, blogs, apresentações culturais (youtube), campeonatos nacionais de Matemática, por exemplo, demonstração de invenções etc.

O que nossas escolas não oferecem, por um medo tétrico da comunicação livre e vírus que aparecem de qualquer jeito e que se deve aprender a enfrentar, é acesso direto, sem os bloqueios de servidores, que só servem para simplificar a vida de funcionários que deveriam existir e trabalhar para que nossos estudantes pudessem conhecer o universo WEB.

Propomos a implantação de laboratórios de som e imagem, do ensino da arte de filmar e fotografar. O ensino do Português, essa língua extremamente mal falada em nossa pátria de origem lusitana, é fundamental. Saber usar a internet o desafio embutido nisso tudo..

E os concursos de blogs? Podem acontecer com temas da atualidade, do bairro, dos sentimentos de nossos jovens.

O que é preciso para isso?

Pouco ou quase nada.

Quem não se lembra de sua primeira medalhinha? De diplomas de mérito?

Clubes de serviço, ONGs, prefeituras, até grupos políticos organizados poderiam estar lançando concursos em todos os cantos de nosso Brasil.

O que vemos e ouvimos são queixas contra a juventude; descobrimos muito pouco para cativá-la, atraí-la para bons sentimentos e comportamentos.

É mais fácil falar, falar não, cochichar ou fazer discursos em ambientes fechados, agir é mais difícil, complicado...

Cascaes

20.4.2010







UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CATARINA (UDESC)




CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO (CCE)



DISCIPLINA: PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO – GESTÃO E AVALIAÇÃO



PROFESSOR: DR. JARBAS JOSÉ CARDOSO



ALUNO: ARTUR HERÁCLIO GOMES DA SILVA



ARTIGO: “OS CÓDIGOS DA MODERNIDADE PROPOSTOS PELO EDUCADOR BERNARDO TORO E A ESCOLA QUE O BRASIL NECESSITA PARA ENTRAR NO SÉCULO 21”



Para se ter uma vida produtiva neste inicio de século 21, época de transformações rápidas e profundas, é necessário estar preparado de uma forma diferente daquela que nossos avós estavam nas primeiras décadas do século passado. É preciso dominar alguns códigos, desenvolver alguns saberes e usar um discurso novo, com palavras que tenham significado neste mundo complexo em que vivemos.

O educador colombiano Bernardo Toro, ativista social do 3º setor, propôs 8 códigos para serem desenvolvidos e permitirem ao cidadão levar esta vida produtiva, seja como profissional liberal, professor, empresário, cientista, esportiva ou mesmo uma dona de casa, que administra uma unidade familiar. Estes códigos são habilidades e competências que devem ser trabalhadas na escola, na família e na empresa. Estes códigos e a maneira com que eles estão sendo ou não desenvolvidos na escola do Brasil, em todos os seus níveis – fundamental, médio e superior – é o tema deste artigo.



1 – A Velha e a Nova Escola no Brasil.



A observação inicial, confirmada por aqueles que acompanham a educação brasileira, é que escola em nosso país não conseguiu se adaptar às profundas mudanças dos últimos 25 anos, ao contrário das organizações empresariais que tiveram que mudar para sobreviver. A escola brasileira insiste em disciplinas e conteúdos limitados em caixas fechadas, que não se comunicam umas com as outras, enquanto as empresas adotam temas interdisciplinares para enfrentar os desafios do século 21. O seu projeto político – pedagógico prioriza a assimilação de grandes quantidades de conteúdos, enquanto as empresas e o mundo real exigem habilidades criativas. A escola não consegue se desvincular do mundo verticalizado da sociedade industrial, limitado a um espaço restrito, enquanto as empresas que participam do mercado do século 21 horizontalizam-se, rompendo as fronteiras nacionais e culturais, ampliando os espaços por meio da Internet e tornando expressões como “chão-de-fábrica”, gerente, chefe, hierarquia, etc..., uma lembrança do passado.

Enquanto a escola, no Brasil, permanece ligada à idéia de “trabalho”, predominante no século passado, o mundo do 3º milênio exige em seu lugar o “processo de criação”, que leva à soluções originais. O sociólogo francês Michel Maffesoli, professor do Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano (Ceaq) da Sorbonne, afirma que “em oposição ao trabalho como conhecemos, vai se desenvolver algo que podemos chamar de criação. As novas gerações vão empregar seu tempo fazendo da própria vida uma obra de arte”(8). Não se trata de palavras que estão ou não na moda. Trata-se de um discurso que precisa ser mudado dentro da escola, porque foi mudado fora dela. A escola não pode usar uma linguagem diferente daquela que é usada na sociedade, sob pena de perder a capacidade de se comunicar com ela.

Esta nova linguagem usada na sociedade pode ser representada pela opinião da consultora de empresas Ane Araújo, concedida a importante revista do setor de empreendedorismo no Brasil, a Pequenas Empresas Grandes Negócios, quando ela afirma que “obter resultados sem aprender algo ou sem ter prazer é incompleto” (1). E completa a idéia: “A realização de cada pessoa tem que envolver todos os três aspectos: resultados, crescimento pessoal e prazer”.

Já o professor da Universidade de São Paulo e MBA em Administração pela Universidade de Harvard, Stephen Kanitz, escreveu para a Revista Veja um artigo que tem sido muito discutido pelos estudiosos da educação. Neste artigo, intitulado “Observar e Pensar”, KANITZ (2004) destaca que ensinar a observar teria que ser a tarefa nº 1 da educação e propõe que seja criada a disciplina obrigatória de “Técnicas de Observação”, que deveria ser oferecida o mais cedo possível na escala educacional (9). Vale a pena ler a sua justificativa para a criação desta disciplina, nas suas próprias palavras:

O primeiro passo para aprender a pensar, curiosamente, é aprender a observar. Só que isso, infelizmente, não é ensinado. Hoje, nossos alunos são proibidos de observar o mundo, trancafiados que ficam numa sala de aula estrategicamente colocada bem longe do dia-a-dia e da realidade. Nossas escolas nos obrigam a estudar mais os livros de antigamente do que a realidade que nos cerca. Observar, para muitos professores, significa ler o que os grandes intelectuais do passado observaram – gente como Rousseau, Platão ou Keynes. Só que esses grandes pensadores seriam os primeiros a dizer “esqueçam tudo o que escrevi”, se estivessem vivos. Eles ficariam chocados se soubessem que nossos alunos são impedidos de observar o mundo que os cerca e obrigados a ler teoria escrita 200 ou 2000 anos atrás – o que leva os jovens de hoje a se sentir alienados, confusos e sem respostas coerentes para explicar a realidade” (KANITZ, 2004)(9).

Estas palavras de Stephen Kanitz estão longe de ser um exagero. A escola brasileira, tanto nas oito séries do ensino fundamental, quanto nas três séries do ensino médio, bem como no ensino superior, tem desistimulado e até impedido o aluno de Observar e Pensar. É claro que há exceções. Existem boas escolas que estimulam os estudantes e bons professores que procuram discutir idéias para uma nova agenda. Mas, no geral, a escola brasileira limita-se, quando muito, a transmitir o conhecimento técnico que outros construíram ou as idéias que outros pensaram. A escola, no Brasil, tem criado pouco e pensado menos ainda.

Vou procurar dimensionar esta questão. As diversas avaliações dos estudantes brasileiros, feitas especialmente nos últimos dois anos, apontam para uma situação preocupante. No final do ano de 2003 o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação, realizou uma ampla avaliação do desempenho dos alunos da escola pública da 4º e 8º séries do ensino fundamental e da 3º série do ensino médio, nas disciplinas de Língua Portuguesa (foco na leitura e interpretação de textos) e Matemática (foco na resolução de problemas)(10). O INEP escolheu estes dois focos, porque os especialistas em Educação acreditam que eles são o melhor termômetro para avaliar o grau de aprendizagem de um estudante. A escola publica foi escolhida pelo INEP porque é nela que estuda a maior parte dos alunos da classe econômica B (55%) e a maioria esmagadora da classe C. Apenas 18% dos estudantes da classe A freqüenta a escola pública, no Brasil (6).

Desta avaliação, a última feita em escala nacional – a próxima deverá ocorrer no final de 2005 – participaram cerca de 300 mil alunos, 17 mil professores e 6 mil diretores de 6.270 escolas de 1.872 municípios dos 26 estados e do Distrito Federal. Foram aplicados testes de múltipla escolha para os alunos em Língua Portuguesa e Matemática. O formato das questões foi o de questões fechadas e cada aluno respondeu a 39 questões. Foram aplicados também, questionários sobre o contexto social, econômico e cultural dos alunos. Para os professores e diretores foram aplicados questionários para conhecer sua formação profissional, práticas pedagógicas, estilos de liderança e formas de gestão. Também foram coletadas informações sobre o ambiente de aprendizagem e a infra-estrutura das escolas (10).

Estes resultados apontam para algumas evidências, observadas pelo pesquisador Francisco Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que foi responsável pela análise estatística dos dados desta avaliação nacional. Para ele, as melhores escolas públicas tem em comum os seguintes aspectos (11) e (13):



Quanto aos professores:

- Todos possuem ensino superior ou estão cursando a universidade;

- Eles freqüentam pelo menos dois cursos de atualização por ano;

- Dedicam ao menos duas horas diárias ao preparo das aulas.



Quanto às aulas:

- contam com atividades extracurriculares, como visita a museus, teatros, clubes de cinema e poesia, palestras sobre diversos temas – drogas, sexo, família, gravidez precoce, esportes, etc...- e outras.



Quanto à infra-estrutura das escolas:

- Todas possuem biblioteca, que é utilizada regularmente pelos alunos. Estas escolas têm laboratórios de informática, com computadores ligados à Internet e professores para orientar os alunos no seu uso.



Quanto aos pais:

- Participam ativamente da vida escolar, não só em eventos tradicionais, como dia das mães e outras datas, mas principalmente no dia-a-dia da aprendizagem dos filhos, interessando-se pelos conhecimentos que eles adquirem na escola, suas dúvidas e angústias, estudando com eles e participando das reuniões sobre avaliação com os professores.

Esta última evidência, relativa à participação efetiva dos pais na educação do aluno, parece ser a chave do sucesso nas escolas que tem dado certo e a principal explicação para o fracasso daquelas que tem apresentado maus resultados.

De acordo com uma pesquisa internacional feita pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para avaliar o rendimento escolar em quarenta países, enquanto a Coréia do Sul alcançou o 3º lugar em Matemática e o 4º em Ciências, o Brasil ficou com a última e penúltima colocação, respectivamente nestas disciplinas. A OCDE explica o baixo rendimento brasileiro nesta pesquisa, salientando que as famílias brasileiras, DE TODOS OS EXTRATOS SOCIAIS, estão entre as menos interessadas na educação dos filhos (10).

Para interpretar de forma mais objetiva os resultados desta avaliação nacional feita em 2003 e entender os problemas que a pesquisa da OCDE apontou, fui visitar uma escola pública municipal com cerca de 1 mil alunos de ensino fundamental (da 1º à 8º séries), localizada na cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina. Esta escola foi uma das mais bem colocadas no teste de leitura e interpretação de textos – 2º lugar – na avaliação nacional de 2003, entre 6.270 escolas participantes da amostra. Localizada em um bairro de classe média baixa, em uma cidade altamente industrializada de 400 mil habitantes, a Escola Municipal Professora Anna Maria Harger tem uma estrutura simples, mas em seus 33 anos de existência tornou-se uma referência de ensino para a população de Joinville. Possui uma biblioteca ativa com cerca de 6 mil exemplares e um laboratório de informática ligado à Internet via banda larga, com 16 computadores, administrado por uma professora especializada que orienta os alunos 8 horas por dia. Uma quadra coberta completa a infra-estrutura da escola.

Conversando com a diretora, supervisoras e orientadores pedagógicos desta escola, percebi que o segredo do seu sucesso tem sido a participação ativa dos pais na vida escolar e na educação dos filhos. Esta participação foi obtida passo-a-passo ao longo do tempo e para isto contribuiu o valor que os pais daquela área da cidade atribuem à educação dos filhos, ao qual se somou a preparação dos 45 professores, a maioria com pós-graduação em suas áreas de atuação. Esta valorização que estes pais dão à educação se deve principalmente, de acordo com as supervisoras da escola, ao fato deles se localizarem em um ponto intermediário da pirâmide sócio-econômica da população brasileira, nem entre os muito pobres e nem entre aqueles que dispõem de todo conforto material. Para elas, em um extremo, o da “pobreza”, os pais se dedicam apenas à dura tarefa de sobreviver no dia-a-dia e no outro, o da “riqueza”, as preocupações com os negócios e com a administração do capital e do patrimônio acumulados impedem que os pais disponham de tempo para os filhos.

Em ambos os casos, os alunos são entregues à escola para serem educados sem a participação dos pais. Os pais da classe média baixa, por seu lado, enxergam na preparação e capacitação dos filhos uma perspectiva de futuro que a escola oferece e tem que ser bem aproveitada. Por isto, para eles a escola tem que ser cuidada e respeitada.

Outra avaliação realizada pelo Ministério da Educação, desta vez no ensino superior brasileiro, confirma as evidências apresentadas em outros níveis da educação do país. Os resultados do primeiro Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), realizado em 2004, mostram que nas treze áreas do conhecimento avaliadas, o iniciante e o recém formado mostram praticamente a mesma formação geral. A evolução restringiu-se apenas ao aspecto técnico. Trabalhar em grupo, compreender a situação do outro, construir o consenso a partir de opiniões diferentes, tudo isto não evoluiu apesar de 4 ou 5 anos de universidade. Para o ministro da Educação, Tarso Genro, “isso mostra que o curso superior agrega pouco, em termos gerais, na formação do cidadão” (3).



2 – Uma Ligação entre a Escola e o Mundo Real



Estas avaliações apontam para a urgência de uma aproximação entre a escola e o mundo real. A escola tem que se “despir” da sua aura de sabedoria em relação ao mundo real e este, se interessar mais pela escola e passar a interferir mais no processo de aprendizagem e construção do conhecimento. Esta “aproximação” tem que se dar por meio de ativistas sociais, empresários, educadores e estudiosos da educação, que transitam do mundo real para a escola e vice-versa.

Entre os estudiosos latino-americanos que atuam nesta interface escola-mundo real, está o educador e ativista colombiano Bernardo Toro. Tendo como formação, toda ela desenvolvida em universidades colombianas, a filosofia, a física e a matemática, Toro dedicou-se desde o inicio dos anos 70 ao chamado 3º setor. Depois de atuar na educação de crianças excluídas de seu país, passou a trabalhar na “Fundacion Social”,uma instituição tradicional na Colômbia que reúne empresas de diversos segmentos do empreendedorismo. A Fundacion Social também se dedica a estimular as comunidades a criarem projetos de desenvolvimento local e sustentável, à semelhança do Sebrae, no Brasil. Bernardo Toro trabalhou como professor convidado na Universidade de Toronto, Canadá, na área de teoria da informação e há oito anos dirige um programa de educação social junto à “Fundacion”, além de presidir a Confederação Colombiana de ONGs (12).

Por tudo isto, as atividades de Bernardo Toro estão diretamente ligadas ao desenvolvimento do empreendedorismo e à construção da cidadania, em toda a sua abrangência. Ele vê a educação a partir de um olhar de fora da escola, oriundo da realidade econômica e social de seu país que em muitos aspectos se assemelha à do Brasil. Mais de trinta anos de ativismo social e atuação na educação, levaram-no a pensar nas habilidades e competências necessárias a uma vida produtiva neste período de profundas mudanças. A estas habilidades e competências, Toro chamou de “Códigos da Modernidade” (12).

Acho importante, antes de apresentar ao leitor estes códigos, deixar claro o que deve ser considerada uma vida produtiva na visão de Bernardo Toro. De acordo com as suas idéias, “vida produtiva” é aquela em que o individuo atua como “cidadão” e “empreendedor”. Como “cidadão”, respeitando e promovendo os princípios do estado democrático de direito e como “empreendedor”, gerando oportunidades e riquezas para a comunidade e preservando o meio ambiente e a cultura do seu povo para as próximas gerações. Nesta concepção, um simples jardineiro pode ter uma vida produtiva tanto quanto um juiz de direito ou uma dona de casa. Nem todos desejam ou mesmo podem cursar uma universidade, mas todos podem se preparar para ter uma vida produtiva. Na minha opinião, a educação no Brasil, em todos os níveis, deveria ter como foco desenvolver estas habilidades e competências que levam a uma vida produtiva.

Vamos a elas, na visão do colombiano Bernardo Toro:



3 – Os Códigos da Modernidade

O primeiro código da modernidade proposto por Bernardo Toro é o “domínio da leitura e da escrita”. Entende o educador que “para se viver e trabalhar na sociedade altamente urbanizada e tecnificada do século 21, será necessário um domínio cada vez maior da leitura e da escrita. As crianças e adolescentes terão de saber comunicar-se usando palavras, números e imagens”.E acrescenta, “por isso, os melhores professores, as melhores salas de aula e os melhores recursos técnicos devem ser destinados às primeiras séries do ensino fundamental”(12).

No Brasil, de acordo com a avaliação feita pelo INEP em 2003, de cada 100 estudantes com no mínimo 4 anos de escolarização, 59 mal conseguem ler um texto simples. Na Região Nordeste do país, 75 alunos em cada 100 estão nesta situação. Já com relação àqueles que concluíram o ensino médio, a avaliação nacional de 2003 mostrou que apenas 6 desenvolveram habilidades de leitura compatíveis com 11 anos de escolarização (10).

É uma situação preocupante que compromete o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Com certeza, a avaliação do ensino fundamental (4º e 8º séries) e do ensino médio (3º série) mostram que o maior desafio da sociedade brasileira está dentro da sala de aula. E se Bernardo Toro destacou que os melhores professores devem lecionar nas primeiras séries do ensino fundamental, não é isto que a avaliação nacional da educação básica mostrou. No Estado de Santa Catarina, que apresentou um dos melhores resultados na avaliação nacional, apenas 63% dos docentes atuando da 1º à 4º série do ensino fundamental tinham curso superior em 2004. Já no ensino médio, este percentual chegou a 86% no mesmo ano, naquele estado (dados da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina, publicados no Diário Catarinense, de Florianópolis, em 12 de maio de 2005).

A influência da formação superior do docente no resultado do teste de leitura do aluno do ensino fundamental, ficou clara na avaliação. Quando eles tinham formação superior, os alunos obtiveram 172 pontos no teste de leitura da 4º série; quando os docentes possuíam apenas nível médio, o resultado dos alunos caiu para 157 pontos, neste teste. O Ministério da Educação estima que o resultado mínimo aceitável seria de 200 pontos, bem acima da média nacional alcançada, que foi de 169,4 pontos (10).

Quanto ao segundo código da modernidade, a “capacidade de fazer cálculos e de resolver problemas”, Bernardo Toro esclarece que “calcular é fazer contas, enquanto resolver problemas é tomar decisões fundamentadas em todos os domínios da existência humana”. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que teve a participação de 250 mil adolescentes de 40 países e foi aplicado também em 2003, os estudantes brasileiros obtiveram o pior desempenho entre todos os participantes na prova de Matemática, como já foi dito neste artigo (13). Este resultado aponta para os desafios que cabem à escola brasileira nos próximos anos. A solução de problemas nas dimensões propostas por Bernardo Toro, não faz parte da cultura do ensino brasileiro que privilegia o acúmulo de informações, muitas vezes inútil à vida prática do cidadão.

Esta carência na educação básica e superior dificulta a formação de empreendedores no país. Em pesquisa feita pela antropóloga Lívia Barbosa, no Brasil, os entrevistados foram convidados a escolher entre três perfis, qual melhor definiria o brasileiro típico (6). O perfil definido como “empreendedor”, caracterizado como um tipo audaz, que gosta de ganhar dinheiro, com postura ambiciosa, vanguardista e ativa, recebeu apenas 16% dos votos, enquanto o“gente boa” - que tem a família como base para as suas realizações, encara seus problemas com tranqüilidade e, mesmo quando sem religião, considera a fé em Deus fundamental – foi escolhido por 41%. A maior parte das pessoas entrevistadas (43%) acredita que o perfil onde melhor o brasileiro se encaixa é o “contemplativo”, um tipo que não se preocupa com o futuro, procura viver o presente da melhor forma possível, não gosta de correr riscos, não se importa com o dinheiro e não persegue a realização pessoal (6).

Também foi verificado, que entre os valores mais caros ao povo brasileiro, por ordem de importância, as competências como “inteligência” e “talento” ficaram atrás do trabalho, honestidade, amizade, solidariedade, humildade, romantismo e alegria (6).

Apesar deste aparente desprezo pelas habilidades e competências ligadas ao empreendedorismo, outros levantamentos apontam que 75% dos brasileiros colocam a montagem de um negócio próprio como desejo mais forte, superior ao desejo de investir no mercado financeiro (71%) e de comprar uma casa própria (67%) (6). Este descompasso entre a “percepção negativa da atitude do empreendedor” – audaz, ambiciosa e vanguardista – e o sonho de ser “independente”, de se livrar da figura do patrão, tem relação direta com o ensino praticado no Brasil, teórico e academicista, e leva à situação que hoje predomina no país. Grande parte dos negócios abertos, na maioria das vezes por pessoas despreparadas, sem qualquer pesquisa de mercado e na base da improvisação, são fechados antes de completar um ano de vida. Enquanto isto, a procura pelos concursos a uma vaga nos serviços públicos cresce de forma significativa, na contramão das necessidades da economia brasileira.

Vamos seguir com os “códigos da modernidade”. A terceira habilidade proposta por Bernardo Toro é a “capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações”. Para Toro, “na sociedade moderna é fundamental a capacidade a capacidade de descrever, analisar e comparar, para que a pessoa possa expor o próprio pensamento oralmente ou por escrito”. E acrescenta, “para serem produtivos na escola, no trabalho e na vida como um todo, os alunos deverão aprender a expressar-se com precisão por escrito” (12).

No inicio deste ensaio citamos o artigo “Observar e Pensar”, do educador Stephen Kanitz ,da Universidade de São Paulo. Este código da modernidade se apóia exatamente no exercício das técnicas de observação, que levam o aluno a observar e pensar. Para desenvolver estas técnicas, KANITZ (2004) sugere alguns exercícios interessantes: 1) Pegar uma cadeira de rodas, ir à escola com ela por uma semana e sentir como é a vida de um deficiente físico no Brasil; 2) Colocar uma venda nos olhos e vivenciar o mundo como os cegos o vivenciam e 3) Escolher um vereador qualquer (conselheiro municipal) e observar o que ele faz ao longo de uma semana de trabalho (9).

E Stephen Kanitz conclui que, “se o aluno realmente quiser ter idéias novas, ser criativo, ser inovador e ter uma opinião independente, deve aprimorar primeiro os seus sentidos”. Assim, ele estará no caminho certo para começar a pensar e a partir daí, analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações, como propôs Bernardo Toro. Infelizmente, estas atividades não fazem parte do dia-a-dia da escola brasileira, seja publica ou privada, seja no ensino fundamental, médio ou superior, com raras exceções. Esta carência no ensino brasileiro explica em parte a dificuldade do país em formar empreendedores de sucesso.

Quanto ao 4º código da modernidade, a “capacidade de compreender (a realidade) e atuar em seu entorno social”, Bernardo Toro explica que se refere à “capacidade dos alunos de converterem problemas em oportunidades, de organizarem-se para defender seus interesses e criar unidade de propósitos a partir da diversidade e da diferença”.

Nos últimos 20 anos, a partir da campanha popular pela democracia ocorrida nas ruas do país em 1984, que levou à redemocratização no inicio do ano seguinte, e da nova constituição de 1988, criaram-se passo a passo condições para o desenvolvimento desta habilidade na escola. Hoje, os jovens da escola pública e privada, apesar das deficiências do ensino, dispõem de um clima político que permite desenvolver esta capacidade de compreensão da realidade e atuação em seu entorno social. Vejo com otimismo, apesar das inúmeras dificuldades apontadas neste artigo, a atuação cidadã dos futuros dirigentes do Brasil. Isto, porque esta habilidade – este código - está sendo valorizado na sociedade e especialmente nas organizações do setor público, privado e também do 3º setor. As ONGs tem tido uma participação importante no desenvolvimento deste código, essencial para o cidadão atuar no mundo do século 21 de forma produtiva.

O mesmo pode-se afirmar do 5º e 6º códigos da modernidade. No 5º código, Bernardo Toro propõe “receber criticamente os meios de comunicação” e no 6º o autor colombiano destaca “a capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada”. O desenvolvimento destas habilidades e competências tem sido impulsionado pelas empresas do setor privado e pelas ONGs, que atuam nos diversos setores. A valorização da informação “confiável” pela sociedade democrática, reforçou o espírito crítico em relação aos meios de comunicação no Brasil, que não são mais vistos como donos da verdade.

Por outro lado, a popularização do uso da Internet no país, que já é acionada por mais de 30 milhões de pessoas, que passam em média 14 horas por mês na rede, facilitou o acesso à informação acumulada por meio dos sites de procura (6). No entanto, a falta de laboratórios de informática na maioria das escolas públicas e de pessoal especializado para orientar os alunos, torna o processo de desenvolvimento das habilidades dos alunos perigosamente lento.

Com relação aos 7º e 8º códigos da modernidade, as necessidades das empresas privadas e das ONGs também ajudaram a escola a pensar em desenvolvê-los com os alunos, mas a falta de hábito e preparação dos professores constituem barreiras difíceis de serem transpostas. O 7º código da modernidade, proposto por Bernardo Toro, fala da “capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo”, enquanto o 8º código fala da “capacidade de desenvolver uma mentalidade internacional”. Sobre este último, incluído recentemente por Bernardo Toro, ele o justifica afirmando: “Quando o jovem chegar à idade adulta, seu campo de atuação será o mundo”. Para isto não basta falar uma língua estrangeira, mas é necessário compreender a cultura “do outro” e aceitar as diferenças que certamente existirão em relação ao jeito de ser do brasileiro (2).

O grande número de brasileiros que atualmente reside e trabalha no exterior (cerca de 1,5% da população do Brasil, ou seja, pouco mais de 2,75 milhões de pessoas) ajuda a criar uma necessidade para a qual a sociedade e a escola não podem virar as costas. A globalização da economia e a inserção cultural e econômica do Brasil em todos os continentes, tem também ajudado a desenvolver este código da modernidade nas empresas e na mídia e até em novelas de sucesso na televisão. Este é o caso da novela que faz sucesso no momento na Rede Globo de Televisão, chamada AMÉRICA, que relata as aventuras e desventuras de uma emigrante brasileira em Miami.

Já a “capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo – habilidades e competências pouco desenvolvidas na escola brasileira em todos os níveis de ensino – tem sido muito exigidas no mercado de trabalho. Para as empresas privadas, esta capacidade tem sido considerada mais importante que o conhecimento técnico. Infelizmente, as escolas e a sociedade ainda não perceberam isto e muitos criticam o professor que desenvolve trabalhos em grupo, alegando que ele faz isto porque não conhece suficientemente o conteúdo da disciplina ou porque ele não prepara as aulas. Na agenda da escola brasileira ainda predomina o saber tradicional e não o conhecimento construído com os alunos. Neste sentido, há muito o que mudar.

Encerrando este artigo, quero destacar que os códigos da modernidade propostos por Bernardo Toro constituem uma agenda a ser desenvolvida permanentemente no ensino fundamental, médio e superior, em países como o Brasil. Lucia Dellagnelo, doutora em Educação pela Universidade de Harvard, educadora do Sul do Brasil que hoje atua na Itália como professora visitante em um mestrado de empreendedorismo social, afirma que “a principal contribuição do educador Bernardo Toro é construir uma ponte entre o mundo real, isto é, o das sociedades modernas em constante transformação, e o mundo da escola, que tem diante de si a tarefa de formar os cidadãos”(2).

Recentemente, os brasileiros têm acompanhado na mídia casos de corrupção e desvio de dinheiro público por juízes, engenheiros e empresários, pessoas que dispõem de amplo conhecimento técnico, mas que certamente nunca foram capacitados para as habilidades e competências que Bernardo Toro chama de “códigos da modernidade”. Para se ter uma vida produtiva neste século 21, não basta o conhecimento técnico, embora ele seja importante. E não basta tratar destas habilidades e competências apenas no ensino fundamental. É necessário repeti-las ao longo de toda a vida escolar e também nos treinamentos dentro das empresas e fora delas e mesmo nas famílias, onde começa a formação das pessoas.

Para habilitar os alunos nos “códigos da modernidade”, não são necessários recursos fabulosos para a escola brasileira ou de qualquer país da América do Sul. Basta que a escola assimile a importância destes códigos para a formação do cidadão, que os pais dos alunos compreendam a sua finalidade e os professores sejam treinados para desenvolvê-los.



BIBLIOGRAFIA



1-ARAUJO, Ane. É preciso obter prazer e evolução pessoal nos negócios. In: revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, Editora Globo: São Paulo, edição nº 92, janeiro de 2005, pág 114.

2-DELLAGNELO, Lucia. Opiniões, disponíveis no site http://www.novaescola.abril.com.br/  e contato por e-mail em 02 de maio de 2005.

3-DIARIO CATARINENSE, Florianópolis,SC. Calouro e formado sabem o mesmo. Edição de 04 de maio de 2005, pág 23.

4-LÉVY, Pierre. O universal sem totalidade, essência da cybercultura. Texto disponível no site www.empresa.portoweb.com.be/pierrelevy/nossos.html  , consultado em abril de 2005.

5-LÉVY, Pierre. Educação e Cybercultura. Texto disponível no site www.empresa.portoweb.com.be/pierrelevy/nossos.html , consultado em abril de 2005.

6-LIMA, Luiz Octávio de. O brasileiro em números. Revista Época, São Paulo: Editora Globo, edição nº 367, de 30 de maio de 2005, págs 82 a 88.

7-LÖHR, Suzane Schmidlin. A arte de relacionar-se. In: Viver Bem/ Gazeta do Povo, Curitiba, edição nº 1060, de 26 de junho de 2005, pág 11.

8-MAFESSOLI, Michel. A era do deleite. In: Revista Época, Editora Globo:São Paulo, edição nº 354, de 28 de fevereiro de 2005, pág 80

9-KANITZ, Stephen. Observar e Pensar. Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, edição 1865, 04 de agosto de 2004, pág. 18, também disponível no site http://www.kanitz.com.br/

10- SAEB,2003. Disponível no site : http://www.inep.saeb.br/

11-SOARES, Francisco. Comunicação por e-mail em 01 de maio de 2005.

12-TORO, Bernardo. Idéias. Disponível no site www.centrorefeducacional.pro.br/toromais.htm  ,consultado em 14 de abril de 2005.

13-WEINBERG, Mônica e EDWARD, José. Na trilha Coreana. Revista Veja, São Paulo: Editora Abril, edição nº 1892, de 16 de fevereiro de 2005, págs 72 a 74.







Balneário Camboriú, 04 de julho de 2005

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